segunda-feira, 6 de agosto de 2018

DIVERSIFICAR COM POUCOS RECURSOS: UMA LEITURA SOBRE A PERSPECTIVA DO FMI PARA ANGOLA



AUTORES: CARLOS M. LOPES; JOSUÉ CHILUNDULO (DOCENTES DO ISPTEC)

No dia 21 de Abril 2018, Abebe Selassie, Director do African Department do FMI efectuou um Press Briefing para avaliação da situação macroeconómica da África ao Sul do Sahara (ASS) e sugeriu reformas necessárias para impulsionar o Crescimento Económico mais forte, inclusivo e direccionado para o cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável da região.
Na generalidade, a sua abordagem retomou os eixos analíticos explorados no relatório “Afrique subsaharienne: Ajustement budgétaire et diversification économique”, publicado em Outubro de 2017, na colecção Perspectivas Económicas Regionais do Fundo Monetário Internacional.
As previsões de um Crescimento modesto de 2,8% em 2017 para 3,4% em 2018, para cerca de 2/3 dos países da região, escondem, na sua opinião, uma diversidade de resultados e perspectivas entre os países da região.
Traduzindo na prática o sentido conceitual sobre o “crescimento modesto”, o interlocutor compara um grupo restrito de países, entre os quais Gana, Costa do Marfim, Etiópia e Senegal que apresentaram crescimentos superiores a 6% enquanto 1/3 dos países da região registaram taxas de crescimento inferiores a 5% e um outro grupo de 12 países, que correspondem a mais de 40% da população da ASS, apresentou um desempenho menos satisfatório, inclusivamente com quebras do rendimento per capita em 2017 e expectativas de maior redução para 2018.
Cerca de 40% dos países de baixo rendimento a Sul do Sahara têm problemas ou riscos de dívida resultantes do investimento necessário em infra-estruturas e nos sectores sociais, indispensáveis para alavancar processos de crescimento inclusivo e sustentável. Desses 40%, metade são países que tiveram que enfrentar a queda do crescimento provocada pela baixa do preço do petróleo no mercado internacional.
No caso, os riscos de segurança, em termos económicos e humanos, estão também presentes nos países frágeis com altas taxas de pobreza e instabilidade política.
Na perspectiva do FMI para assegurar níveis de crescimento mais forte, durável e inclusivo, impõe-se aproveitar a oportunidade das condições externas actuais, actuando em 3 áreas prioritárias:

  1.      Criação de um ambiente macroeconómico estável, gerindo o equilíbrio entre a sustentabilidade da dívida e o espaço para despesas em infra-estruturas e prioridades sociais, indispensáveis ao crescimento sustentável e inclusivo;
  2.      Maior mobilização das receitas tributárias, por vias do aumento da base tributária, da introdução do IVA e da limitação de isenções. Sublinhe-se que o coeficiente receitas tributárias/PIB, na região, se fixa em valores reduzidos, insuficientes para sustentar o serviço da dívida, devendo,desejavelmente, situar-se entre 3 a 5% do PIB;
  3.      Dinamizar um sector privado tendencialmente pouco dinâmico (que em Angola continua a ser fortemente tributário/parasitário de relações pouco claras com o Estado), sendo necessário agir para criar um melhor ambiente regulado, forte, com melhor acesso a financiamento, potenciado para oferecer oportunidades pelo incremento da integração económica, em particular pelo acordo de livre comércio da União Africana e SADC, recentemente estabelecido.
Para o caso específico de Angola, o responsável do FMI sugeriu que, tal como outros países que exportam petróleo, deverá continuar os seus processos de diversificação económica e implementar planos de consolidação fiscal aproveitando o aumento actual das comodities.
Na sua visão, Angola, com mais de 70% de coeficiente da dívida e um crescimento previsto de 2,2%, não justifica um programa de assistência financeira como alternativa ao Policy Coordination Instrument (CPI), dado que outros indicadores tais como os níveis de Reservas Líquidas e a disponibilidade do Fundo Soberano parecem confortáveis, e porque, em termos de Balança de Pagamentos, não se vislumbra a necessidade de um financiamento excepcional.
Nestes termos, relembrou a necessidade de continuidade para com as reformas iniciadas na taxa de câmbio e no domínio fiscal, enfatizando a necessidade de “implementação de uma maior concorrência na actividade económica”, a “introdução de melhorias na transparência no exercício orçamental”, a “simplificação nos processos tributários” e na diversificação da economia”.
Quando analisadas as quatro linhas de orientação propostas à luz da nossa realidade e num olhar mais detalhado, colocamo-nos as seguintes reflexões:
Relativamente à “implementação de uma maior concorrência na actividade económica”:
Mais do que um princípio constitucional, a introdução de uma maior concorrência na actividade económica tem implicações na consolidação da economia de mercado, factor sem o qual o crescimento sustentável e inclusivo é ameaçado.
Depois de ter surgido como iniciativa eleitoral, o Princípio da Concorrência passou a materializar-se do ponto de vista estratégico com a aprovação pela Assembleia Nacional da nova Lei Nº 5/18 e com as alterações significativas aplicadas a Lei do Investimento Privado.
Dado o seu âmbito e abrangência de aplicação, quer para o sector público quer para o sector privado, a Lei da Concorrência parece traduzir à letra os critérios de preservação do Princípio da Sã Concorrência e o estímulo a Livre Iniciativa.
No entanto, de forma isolada, não produzirá efeitos positivos se o combate às “condutas abusivas”, praticadas por Pessoas Politicamente Expostas – PPE ou pelos Agentes Públicos em posição dominante não for observados com prioridade, ou ainda, se os interesses estratégicos por detrás de uma ou mais Empresas Públicas se sobrepuserem ao espírito da letra do legislador.
Aquilo que se espera é que a nova Lei, uma vez em vigor, se transforme num marco importante para a economia angolana e represente um contributo significativo para melhorar a eficiência e o dinamismo das empresas e da própria economia nacional.
Quanto à “introdução de melhorias na transparência no exercício orçamental”:
O debate sobre a necessidade que o país tem de aprimorar os mecanismos de controlo na execução orçamental e a consequente introdução de melhorias na transparência governativa parece ser sustentável.
Para além de uma questão de credibilidade institucional e recomendação dos parceiros internacionais, cada vez mais fica comprovada a quebra das expectativas dos potenciais investidores nacionais e estrangeiros por razões do custo de se investir por inerência da corrupção e ausência da eficiência governativa.
A não alteração do modus operandi da fiscalização e prestação de contas, implicará perdas significativas dos recursos públicos por via da contratação pública, comprometimento na qualidade das despesa pública e na fragilidade institucional do poder Executivo, Legislativo e Judicial, factores importantes para a preservação da propriedade privada, da justiça económica e social.
Em relação à “simplificação dos processos tributários”:
Apesar da estabilidade política existente no país, o nosso ambiente de negócio continua a fazer parte das piores classificações mundiais (em 2018 Angola surge na posição 175 do ranking Doing Business do Banco Mundial).
Excessiva burocracia, a corrupção, o tráfico de influências, impunidade, limitações na obtenção de documentos, registos e licenças e outros factores essenciais no estabelecimento de negócios, continuam a comprometer a sustentabilidade do crescimento económico e a capacidade do país em mobilizar o investimento directo estrangeiro.
Numa estrutura económica como a nossa em que é o Estado o principal responsável pela promoção do crescimento económico, o imperativo de uma maior arrecadação fiscal, capaz de suportar a estratégia de maximização do investimento público como condição de minimização do custo de se investir, faz-se necessária e urgente.
Quando olhamos para o peso relativo da receita tributária sobre o PIB, os valores  registados no relatório de fundamentação do OGE 2017 relativos aos dados do OGE 2016 revisto apontam para 18,3%, repartidos entre 9,1% dos impostos petrolíferos e 9,2% dos impostos não petrolíferos., valores confortavelmente superiores ao intervalo crítico referido pelos responsáveis do FMI.
Não obstante, o decrescente peso relativo do sector petrolífero sobre o PIB (44% em 2002 para 38% em 2016), conhecida que é a volatilidade que caracteriza o mercado petrolífero, continua a fazer sentido a necessidade de se investir em reformas fiscais que alarguem a base tributária, sem perder de vista, como sugerem diferentes autores , que as reformas fiscais devem considerar: uma distribuição equitativa e justa da carga fiscal; impostos que que não comprometem a eficiência económica; o uso dos impostos como veículos dos ajustamentos macroeconómicos e correcção das ineficiências dos mercados e do sector privado; a estrutura na obtenção dos objectivos de estabilização e crescimento; e um sistema fiscal que permite uma administração eficiente, transparente e menos onerosa para os objectivos da política fiscal.
Se a introdução do IVA, a avaliar pelos exemplos de países terceiros, pode sugerir um aumento de receitas comparativamente à actual tributação do consumo, o cerne do problema coloca-se, por um lado, ao nível do alargamento da base tributária por via da formalização da economia informal e, por outro lado, no incremento do esforço fiscal exigível aos já maioritariamente empobrecidos contribuintes angolanos.
Finalmente, a questão da tão “endeusada” diversificação da economia:
Aqui é que, como ousa dizer-se, “a porca torce o rabo!”
Como refere o Relatório Económico da UNECA de 2007 sobre África, a diversificação da economia é um processo de longo prazo que ocorre num contexto ambiental determinado, onde interagem variáveis económicas como o investimento, comércio e políticas industriais, uma taxa de câmbio competitiva, uma política fiscal expansionista mas responsável e variáveis institucionais, como estabilidade macroeconómica, boa governação e ausência de conflitos.
Diversificar a economia não se consegue por decisão legislativa nem por qualquer passe de mágica. Implica romper com a excessiva especialização e diversas dependências, com barreiras comerciais, barreiras administrativas, fracas capacidades produtivas, insuficiente acesso ao financiamento e outros constrangimentos à competitividade.
Investimentos volumosos na qualificação dos recursos humanos, nas infra-estruturas, nos transportes, água e energia são cruciais. É muito dispendioso estimular o sector privado a desempenhar um papel importante, em seu próprio proveito e em conjunto com o Governo.
O sector privado pode desempenhar um papel significativo no avanço da diversificação, inovação e actividade económica em sectores sub-explorados, como a agricultura, as indústrias extractivas não petrolíferas ou o turismo. E o Governo deve encontrar maneiras de regular e incentivar tal intervenção, criando condições atractivas para os empreendedores nacionais e estrangeiros.
Tal como potenciar as virtualidades da pertença a Comunidades Económicas Regionais (CER) e da cooperação mutuamente vantajosa com outros parceiros internacionais.
Faz sentido uma adesão a Zona de Livre Comércio necessariamente faseada (ou gradualista, como agora é moda dizer) e temperada em função dos diversos parceiros e das condições estruturais dos sectores produtivos nacionais, como consentem os princípios e regulamentos da SADC, acompanhada da indispensável reforma dos direitos aduaneiros, dos procedimentos e encargos administrativos para o comércio, de modo a minimizar os elevados custos de importação e exportação.
Queremos mesmo reduzir custos de transacção e tornar a economia mais competitiva? No comércio externo como noutros sectores? O que falta então? Para além do indispensável “muito” dinheiro? Que, por sinal, parece recomeçar a entrar novamente nos cofres públicos a manter-se a actual tendência de aumento do preço do petróleo Brent nos mercados internacionais.
Apenas quatro condições: criatividade, competência técnica, compromisso ético e vontade política!
Sem elas, podemos ficar tranquilamente a assistir aos “bafos” com que o FMI irá seguramente brindar os angolanos…
Uma inquietação final: será que o recurso ao apoio do FMI através do CPI reflecte a convicção de que alguma (ou mais do que uma) das condições acima enunciadas escasseia no contexto angolano?

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