segunda-feira, 3 de outubro de 2016

E SE AS "LINHAS MESTRAS PARA A SAÍDA DA CRISE ECONÓMICA" FOSSEM MAIS JUSTAS…

A complexidade do actual momento económico, que cada vez mais agudiza os níveis de pobreza da população angolana, fragiliza o sistema económico financeiro do pais, que acaba por se refletir na produção, impondo a economia angolana, grandes desafios: dificuldades de importação devido a imposição dos limites de saída de divisas; uma inflação alta, que atingiu níveis homólogos de quase 38% (dados do INE), mais do que o dobro das previsões iniciais do governo; total dependência do mercado externo, acompanhado de variações cambiais extremas e como consequência, o kwanza perdeu força e, como se não bastasse, as receitas fiscais diminuíram e forçaram uma clara incapacidade do Estado em cumprir com as suas funções. Todos estes males aguçam os graves problemas monetários e fiscais que já não são passíveis de disfarçar.
Actualmente, observam-se incumprimentos das agendas pelas perdas financeiras da “irracionalização” dos recursos públicos disponíveis e da crise cambial que nos afecta. A escassez de crédito, com a redução dos investimentos, tem como consequência a desaceleração da economia, resultando em menos produção, menos emprego, mais dificuldades na obtenção do mínimo e num desequilíbrio da balança comercial e de serviços com o resto do mundo.
Na perspectiva económica, a crise pode ser vista como um período de escassez a nível da produção, da comercialização e do consumo de produtos e serviços. Mas é importante observar que os ciclos económicos reflectem sempre uma decadência de um período de “vacas gordas”- expansão (boom). Período este, caracterizado por um aumento da actividade económica e no qual as economias inteligentes criam condições para take off, uma especie de acumulação de capital sustentado, capaz de permitir uma decolagem com menos sacrifício em tempo de penúria; ou a recuperação de um período de estagnação ou de “vacas magras” – recessão (down) – onde os índices voltam a subir e começa o boom do ciclo seguinte.
O período de “recessão”, na verdade, será o foco das nossas atenções. Um período que ocorre quando, na ausência de novos investimentos, acompanhados do arrefecimento do consumo, provoca uma queda na produção e consequentemente um decréscimo na soma das riquezas produzidas de um país, por um período prolongado.
Quando olhamos com “olhos de ver” para os nossos problemas económicos, políticos e sociais, chegamos a conclusão que várias seriam as justificações superficiais e todas elas nos remetem a uma letárgica “zona de conforto”.
Uns imputarão à primeira zona de conforto, de certeza, as Razões Históricas fortemente ligadas ao processo de Colonização versus Descolonização e as suas argutas consequências que, com muita agressividade, afectam o nosso dia-a-dia até hoje. Aqui são analisadas questões como o modelo político adoptado (sistema de produção planificado/centralizado) que produziu o chamado “estado assistencialista” e com isso a precariedade de um modelo falido de produção, incluindo também, o índice populacional e a indisponibilidade de recursos humanos capacitados/qualificados.
Estudos apontam, porém, que a perda gradual dos sectores produtivos agrícolas, a exemplo das grandes zonas produtivas de café e algodão que constituíram durante muito tempo na maior força de exportação para angola e, da  perda da capacidade produtiva das pequenas industrias herdadas da colonização, fruto das nacionalizações e confiscos mal direccionada, geraram embaraços extremos nas transições políticas e económicas.
Outros, de certeza apegar-se-iam a segunda zona de conforto que tem como principal Razão a Guerra Civil que devastou o nosso país durante longos e infelizes 27 anos. No caso, são analisadas variáveis como: destruição total das infra-estruturas sociais e económicas; fragilidade governativa e um elevado nível de instabilidade política e social; justo porque decidiu-se, a determinado tempo, atribuir prioridade máxima “a garantia da paz, a assistência social e a mobilização de doações”. Nesta época, o pequeno sector produtivo que havia, ficou completamente paralisado, a excepção do sector petrolífero, ainda assim, precário na época.
O Estado era o principal garante da economia que, com o elevar da instabilidade política e económica, traduzida no elevado desemprego, volatilidade dos preços e baixa produção nacional, resultado do período longo de guerra, bem como, originou uma autêntica ausência de coesão política partidária. O território nacional ficou dividido, “completamente” minado e sem uma rede de transportes e comunicação funcional.
A terceira zona de conforto recai para Razões Económicas, onde diferentes aspectos são analisados. A forte intervenção do Estado na economia, numa concorrência desleal ao investimento privado, a forte dependência do petróleo que é, acima de tudo, um bem volátil a exemplo do que se vive hoje, registo de um crescimento económico atrelado, apenas, a um sector produtivo com forte influencia externa; ausência de um sector privado forte, capaz de influenciar o surgimento de uma estrutura de mercado competitiva; um mercado financeiro não voltado para o financiamento do pequeno negócio – factor gerador de elevado emprego.
Outro sim, a total dependência do mercado externo, permitiu de certa forma, uma queda da produtividade resultante da incapacidade do estado em pagar a dívida pública interna, uma redução na capacidade de receitas resultante da baixa do preço do petróleo, e no descontrolo total na elaboração, gestão e manutenção das políticas económicas, na desvalorização intermitente e constante da moeda nacional e na presença de um sistema financeiro completamente descontrolado, agravado pela ausência de uma plataforma logística para distribuição da produção nacional e pelo efeito do grande peso da economia informal – factor de grande desestabilização das políticas publicas.
A quarta e última zona de conforto que para nós, representa a de maior relevância, recai para a precariedade das Infra-estruturas Institucionais. Ela, permite-nos perceber as fragilidades das instituições com reflexos  no total desrespeito a propriedade privada, nos vícios instalados de ociosidade na administração pública, extenuada pelo despesismo na gestão do erário público (elevado índice de corrupção, nepotismo e precária fiscalização)  e, na falta de sentido do serviço público pró-cidadão, gerando um grande conflito entre o funcionamento do mercado como tal e as dinâmicas políticas que fragilizam e tornam ineficientes o sistema judicial, na maneira como assegura a observância dos contratos e afecta a vida económica.
Instituições fracas, fragilizam o sistema educativo, encarecem o custo de contratação da mão-de-obra nacional; e promoveram o não aproveitamento real, efectivo e eficiente dos ganhos económicos dos últimos anos de “vacas gordas”, derivado da alta nos preços do petróleo. Elas também, fragilizaram o sector empresarial privado, que muitas vezes se confunde com uma extensão do sector empresarial público.
Só assim se justificam, as debilidades dos sistemas de controlo e avaliação na aplicação eficiente das políticas públicas existentes o que de certa forma gera uma incapacidade de mobilização do Investimento Directo Estrangeiro – IDE - para o fomento da produção nacional. Acrescida da expropriação de terras de pequenos camponeses, agravando ainda mais a condição de vida das famílias, com um aumento no nível geral de desemprego, provocado pela ânsia da “acumulação primitiva de capital selvagem”, grande causadora da Tragédia dos Comuns.
Verdade é que, as consequências sociais da crise são sentidas para além das fronteiras da sua própria origem e afectam os fundamentos da economia. Assim, a definição mais justa para um conjunto de “linhas mestras para a saída da crise económica em Angola” deverão, em princípio, tomar em consideração a ideia de que existem diferentes obstáculos - “zonas de conforto” – a serem conquistados. Pelo que, desafios como:
a) A Definição de uma Estratégia de Desenvolvimento que compreende: A substituição de importações por via do fomento da produção nacional, a eleição de sectores produtivos direccionados para os mercados internacionais e a consequente promoção de exportações. Para tal, créditos preferenciais, subsídios as exportações, a reforma agrícola e o desenvolvimento rural que fomenta o convívio pacífico entre o grande empresário agrícola e o produtor familiar são importantes para garantir o fomento do emprego e o surgimento do negócio periférico;
b) A Garantia do Financiamento para o Desenvolvimento que se traduz: na fiabilidade do funcionamento do sistema financeiro (provisão, intermediação, disseminação, alocação e inovação financeira), no fomento de bancos de desenvolvimento funcionais que retirariam a exclusividade da gestão do angola-investe dos “primos” e tornariam mais competitivas as diferentes linhas de financiamento e, na disponibilidade de informações sobre a solvabilidade das instituições financeiras para estimular o aumento do grau de bancarização e a consequente a aplicação das poupanças.
c) A Clareza no Papel do Estado na definição de políticas e supervisão do sistema financeiro, o que implicaria atribuir maior dinâmica a central de risco de crédito para garantir a perfeita mobilidade de capitais. De certa forma, a definição clara dos limites do intervencionismo do Estado na economia, influenciaria de forma positiva na maior capacidade de mobilização do Investimento Directo Estrangeiro, para além da disponibilidade do crédito ao investimento e dispor as famílias, pacotes de microcréditos para o fomento do pequeno negócio.
d) A Garantia das Infra-estruturas Institucionais “saudáveis”. Fundamentada por diferentes autores, “as Instituições, a partir do seu conceito, podem conduzir ou ao desenvolvimento, ou ao declínio de uma nação.” Impõe-se a garantia dos direitos de propriedade, a qualidade do Governo que envolve a percepção acerca da corrupção, regulamentação e procedimentos, estabilidade macroeconómica, eficiência e integridade dos sistemas judiciais, acrescida da pronta capacidade de uma Regulação que flexibiliza e protege os investidores, impõem padrões de contabilidade e permite uma melhor disponibilidade de informação e menos burocracias.
e) A Criação de um Ambiente Fiscal eficiente que impõe uma reforma fiscal voltada para a garantia da competitividade do mercado e a definição clara dos limites da actuação do sector corporativo do estado. Serão vantagens a serem consideradas, se e somente se, outras garantias económicas que de certa forma impõe o alargamento do capital físico que corresponde a necessidade de uma plataforma funcional de suporte a economia: rede de transportes conexa a plataforma logística, energia, água, comunicação e tecnologia. Elementos essenciais na criação da riqueza, na medida em que reforça a qualidade e produtividade decorrente do uso dos recursos disponíveis.
f) A Contribuição do Capital Humano na criação da riqueza nacional e o seu mais alto nível médio de habilidade e conhecimento. Só assim, mais facilmente os indivíduos em idade produtiva compreenderão e aplicarão as tecnologias disponíveis.
g) O Aumento no Controlo sobre Bancos e Instituições Financeiras e o financiamento que dinamiza a construção de obras e de infra-estrutura para a geração de empregos e aumento do mercado consumidor. A Concessão de subsídios e créditos agrícolas a pequenos produtores familiares e a criação de previdência social, que estipula um salário mínimo, além de garantias a idosos, desempregados e inválidos. 
h) Não menos importante, o agravar no controlo da corrupção na Administração Pública e a consequente redução dos custos públicos e, sobretudo, aumento da produtividade da função pública e o incentivo á criação de sindicatos para aumentar o poder de negociação dos trabalhadores e facilitar a defesa dos novos direitos instituídos na nova Lei Geral do Trabalho.
Para concluir, Angola continua a precisar de reformas estruturais profundas, o que implica ter maturidade para que o seu desenho institucional seja discutido e repensado. O Plano Nacional de Desenvolvimento que prevê uma “Angola  progressista e solidária” tem que voltar a estar no centro do discurso político.
Justo porque esta não será a primeira e nem a última crise, vai ser bom o esmiuçar de aspectos falhados e a projecção de formas que asseguram a não repetição dos mesmos erros. Não nos dotarmos agora, de estratégias de reacção capazes que promovam a eficiência e a efectividade das Políticas Pública engendradas, é pura e simples estupidez!

As lições não podem ser ignoradas, pois, “quem não reflecte no seu passado está sujeito a repeti-lo” e fazê-lo, pode revelar-se grave e significar, nada mais se não, o destruir, de forma irreversível, o projeto de Paz, de Desenvolvimento e de Reconciliação Nacional entre os angolanos.

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